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DISCURSO DE POSSE NA ACADEMIA ITABAIANENSE DE
LETRAS.
Meus senhores, minhas senhoras.
Hoje é um dia muito especial para a
Itabaiana; para a velha Santo Antônio da Itabaiana. Com a instalação desta
instituição, fecha-se aqui um ciclo maravilhoso, mas também árduo, difícil,
qual seja, o da intelectualização de um povo, que teve de esperar por mais de
três séculos pra ter a primeira escola de verdade, espera que, porém foi
compensada a seguir com a torrente de pessoas que buscaram nas letras e no
conhecimento técnico refinado e superior uma forma de libertar-se das amarras a
que foram submetidas, gerações após gerações. Sergipe assombrou o país, desde a
revelação do campista Tobias Barreto de Meneses - que foi professor em
Itabaiana entre 1855 e 1861 - às crônicas de Sílvio Romero e a fina sociologia
nascente de Manuel Bomfim ou a pena refinadíssima de um João Ribeiro, no gestar
e nascer do regime republicano; mas Itabaiana, Santo Antônio da Itabaiana, não
logrou a mesma sorte, mesmo sendo a segunda sede municipal do estado. É que
faltaram escolas. Uma característica econômica de nossa região que confere
certa justiça no campo foi ao mesmo tempo forte entrave para que desde cedo
pudéssemos despertar para as letras: fomos e ainda somos uma sociedade de
minifundiários. E numa sociedade de pequenos, sem o auxílio do governo, como
foi a praxe até os anos 40, restou-nos a escolinha de pé de pau, sem estrutura
nenhuma e somente para mal aprender a ler, escrever e contar. Anotem isso,
senhoras autoridades aqui presente: Itabaiana é o exemplo bem acabado de que
investimentos públicos bem focados produzem milagres. Nós não tivemos a sorte
da opulência popularizada das Laranjeiras, ou da opulência aristocratizada
estanciana, lagartense, santamarense, japaratubense... enfim, dos municípios
que, quase todos mais novos que o nosso viram o progresso lhes chegar mais
cedo; e pelas suas características produzir para o país os nomes consagrados na
intelectualidade brasileira, que tanto nos orgulha a todos os deste pequenino
estado. E aqui estamos nós, 76 anos depois da primeira escola de verdade, o
grupo escolar Guilhermino Bezerra, a trilhar as veredas abertas a ferro e fogo,
se não com sangue, mas com muito suor e lágrimas pelo quase autodidata
Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior, avivada por José Sebrão de Carvalho
e enfim pelo primeiro grande nome itabaianense de projeção nacional: Maria
Thétis Nunes. Curiosamente, todos eles, historiadores. De fato, não tivemos
tempo para a prosa e a poesia; não pudemos, na fase áurea da escrita, quando
esta tanto se avolumou e era ainda a única forma de transmissão organizada de
conhecimentos, formarmos grandes jornalistas, escritores.... nossa poesia foi
heroicamente defendida por gente simples como Etelvina Amália de Siqueira, e
quando falo em heroica é porque a facilidade que se tem hoje para publicar uma
obra, mesmo para os bem posicionados economicamente era naqueles tempos uma via
crúcis; que dirá uma sociedade de pequenos; pequenos comerciantes, pequenos
agricultores e obviamente pequenos prestadores de serviço. Portanto, em que
pese nosso município está com mais de quatro séculos de colonização europeia e
se aproximando dos três e meio de institucionalizado como unidade
administrativa, intelectualmente ele é uma criança. Uma criança que começa a
nascer pra valer em 1936, que toma um vigoroso tônico em 1949 e assume a maturidade
em 1969 com simultaneamente dois acontecimentos positivos: a chegada do Segundo
Grau à cidade e a fundação do primeiro periódico que realmente fez nascer o
jornalismo entre nós: o jornal O Serrano. Coincidentemente, dentre os 15
membros desta Academia hoje empossados, três dos cinco com certa dose de
pioneirismo nas letras desta terra tiveram seu batismo de fogo ali: Abraão
Crispim de Souza, José Rivadávio Lima e Vladimir Souza Carvalho. Mas, mais do
que isso, além dos três citados, todos os demais somos produtos de um novo
tempo que começou, como disse há 76 anos; recebeu forte impulso em 1949 e desde
então não parou de se multiplicar. Conta-se nos dedos as pessoas de Itabaiana
que puderam estudar fora até 1950. Alguns, inclusive, que o fizeram justo por
terem se mudado em definitivo, como foi o caso da então garotinha Maria Thétis
Nunes, em 1935. Mas, depois de 1960, Itabaiana torna-se cada vez mais um lugar
de produção intelectual e isso se vai observar, desde a prática jornalística de
um garoto que não queria ser padre, apenas padecer, enviado pro seminário em
1958, uma das raras oportunidades de romper o cordão de isolamento intelectual
que se tinha, o nosso Antônio Francisco de Jesus, ao grande expoente
itabaianense na capital pernambucana, José Luciano Goes de Oliveira. Em
particular, em 1966 um jovem filho de um pequeno comerciante do interior seguia
para a capital para se preparar para nos presentear, incialmente com uma obra
histórica, a primeira do gênero, a abordar a historiografia de Itabaiana de uma
forma mais compacta, já em 1973: Vladimir Souza Carvalho. E não parou por aí.
Das suas experiências e de seus colegas de Serrano, uma nova geração cresceu.
Esse mesmo movimento inspirou a escrita, desde gente simples como o comerciante
José Crispim de Souza, a doutos como a professora Josefa Eliana de Souza, e
nossos médicos Luiz Carlos Andrade, Walter Pinheiro Noronha e Antônio Samarone.
E não mais parou. No início dos 80 as experiências de O Serrano ainda ecoavam e
eis que aparecem com ele, vindo dele ou por inspiração nele mais uma geração,
na qual me incluo, mas principalmente que contempla Abraão Crispim, e logo a
seguir Luciano Correia e Antônia Amorosa. Mais recentemente tivemos a grata
satisfação de resgatar grande parte de nossa cultura popular, tirando-a da
simples oralidade para a escrita. Trata-se da conversão em escritor do
localmente conhecidíssimo José Augusto Machado, ou, popularmente Zé Augusto
Baldók. Baldok, um excelente contador de causos que estreou nas letras num
efêmero periódico do jornalista Carlos Alberto Pinheiro, e conseguimos
convencê-lo, a duras penas, a permanecer grafando seus contos e causos em um
também efêmero jornal que publicamos. Daí migrou para uma coluna fixa na
Revista Perfil, onde, estimulado pelos amigos e pelo próprio editor da mesma
lançou seu primeiro livro Causos de Itabaiana Grande; ora em preparo do segundo
volume mesmo. Por fim, uma grata revelação: a entrada em cena do aparecidense
Robério Barreto Santos. Em pouco tempo esse jovem escritor, editor e fotógrafo
conseguiu publicar várias obras, incluindo sua revista mensal Omnia, e numa
busca frenética fantástica, tem reunindo um maravilhoso catálogo de fotografias
antigas, muitas delas inéditas, sobre a história e a cultura itabaianense; além
das obras em construção... simplesmente, parte do que hoje estamos tendo aqui,
é por justiça, atribuído ao estímulo proporcionado pelo seu trabalho destes
últimos tempos. Há ainda vários outros itabaianenses que recentemente também
mergulharam na arte da escrita, mas não os citarei aqui, dado à especificidade
deste momento.
Senhores e senhoras, recentemente, há
precisamente um ano e meio tivemos aqui em nossa cidade o primeiro evento
eminentemente devotado à arte da escrita: tratou-se da Bienal 2011. É
indescritível pra mim a satisfação que tive ao presenciar ali tanta gente de
Itabaiana expondo suas obras. E por que isso? Porque eu venho de uma jornada de
mais dez anos de pesquisa onde passei um pente fino até onde pude alcançar em
nossa história. E eu vivi cada citação dos governos provinciais sobre as
dificuldades em gerir a escola pública, da qual sempre necessitamos; senti o
drama de nossos antepassados, condenados a viver na escuridão e limitação do
analfabetismo; me imaginei vendo cenas de mães e pais desesperados com a sina
de não poder dar ao filho o que meu pai, honrosa e prazerosamente me deu: a
condição de estudar... e cada momento desse que vivi, em senti a tristeza de
não ter feito Tobias Barreto em Itabaiana, e sim em Olinda a sua estrondosa
revelação de intensa capacidade intelectual que ainda hoje ecoa no país; a
tristeza de não ter tido durante mais de um século e meio nenhum grande orador
na tribuna da Casa Legislativa dos sergipanos, em que pese Itabaiana
pouquíssimas vezes ter ficado sem representação naquela Casa, e obviamente
também ausente no Congresso Nacional, mesmo tendo eleito um dos dois primeiros
deputados que este Estado elegeu para a União; a tristeza de não ter entre os
grandes juristas da nação, e até mesmo do Estado ninguém nascido e educado em
Itabaiana, mesmo levando em conta o município original do Cafuz à divisa com o
estado da Bahia... enfim, de não ter ninguém do porte de nossos irmãos
sergipanos de outros municípios dos quais já falei de uns poucos. Um lugar
condenado ao trabalho árduo pela sobrevivência; e sem esperanças maiores, salvo
a escolha de abandonar pra sempre a sua terra se aspirando crescimento. Hoje,
contudo, dá prazer em lermos cada listagem de aprovados nos inúmeros
vestibulares; em chegarmos aos templos de conhecimento como o Campus da
Universidade Federal de Sergipe e lá encontrarmos tantos itabaianenses, alguns
na condição especial de nosso colega Antônio Carlos dos Santos, aqui hoje
também empossado; e cujo currículo por si só já espelha sua vida intelectual.
Esta instituição, senhores e
senhoras, é, portanto, o coroamento de um processo que é inexaurível desde que
começado; que, mesmo trazendo um sinal do tardio progresso educacional de nossa
terra, nos enche de alegria e até uma pontinha de orgulho porque demonstra que
somos um povo que sabe agarrar as oportunidades quando elas se nos apresentam.
E que nunca mais seremos os mesmos. Sua criação, contudo, não é um fim;
representa o término de uma etapa, mas principalmente o rápido engatilhamento
de outra que já lhe sucede. E que há de produzir maravilhosamente doravante pra
compensar nossos três séculos e meio de estagnação.Muito obrigado a todos e que
Deus nos conduza.
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O autor:
José de Almeida Bispo, Mangabeira,
Itabaiana, Sergipe, 08 de outubro de 1959. Radialista, publicitário, fundou,
editou e publicou os efêmeros jornais Tribuna do Povo (mar-abril, 1982),
mensal; e o semanal Serrashopping, tentativa de classificados que ficou somente
em periódico comum, entre setembro de 1999 a março de 2000. Lançou em 26 de
março de 2001 na internet o primeiro portal de Itabaiana, com informações
gerais sobre o município, inclusive jornalísticas, inicialmente intitulado itabaiana.inf.br
e a seguir rebatizado de portalitabaiana.com.br, permanecendo em rede até
agosto de 2003. Fruto deste trabalho pioneiro, também criou sob contrato e
lançou na rede em 2002 os portais da Câmara Municipal de Itabaiana e da Câmara
de Dirigentes Lojistas de Itabaiana-CDL. Pesquisador sobre a História
itabaianense, criou, produziu, editou e publicou a série de documentários em
DVD, Itabaiana, Quatro séculos: a História de um povo, com quatro episódios já
publicados (Volume 1, História dos Tempos dos Vaqueiros; volume 2, Tempos de
Lendas e Tesouros; volume 3, Doces Vales de Sonhos, e volume 4, Sina de
Estradeiro), e em finalização o volume 5 e último da série, ainda sem título,
com temática centralizada no comércio. Como também frutos destas pesquisas está
no prelo o livro “Itabaiana, nosso lugar: Quatro séculos depois”, e em preparo
“Sergipe: referências na coleção dos Anais da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro”, sem data prevista para publicação.
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